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28.7.18

Raízes

enraizar-se no espaço
em mim mesma
com a resignificação
de cada objeto
cada móvel
cada pensamento

caber novamente
casulo pleno
paredes repletas
de luz
de luz
de cor

a vida pulsa em
brancos e plantas
nas patas da cã
tatuadas no chão
com a terra
do jardim
que explode
em avencas

há vida
a vida pulsa

Museo Frida Kahlo 

25.7.18

Poesia das Meninas - Christiana Nóvoa

A carioca Christiana Nóvoa é autora do livro Breviário das pequenas horas (Ed. Patuá). Tem poemas citados no romance Teoria Geral do Esquecimento, de José Eduardo Agualusa (Vencedor do Prêmio Fernando Namora 2013, Portugal) e em diversas revistas de Literatura e Poesia. Desde 2005 publica seus textos no blog Nóvoa em Folha: http://novoaemfolha.com


 a náusea .



sinto em mim as dores
das poetas mortas
seus caminhos tristes
seus amores vãos

vejo em outras mãos
agora tão minhas
suas vidas linhas
mal-traçadas tortas

e as formas tão certas
da sua poesia
fiel companhia
das noites desertas

páginas vazias
artérias abertas
na insana sangria

;

a guerra perdida
e o gozo perverso
de um verso suicida



Christiana Nóvoa
Breviário das Pequenas Horas - Christiana Nóvoa

18.7.18

Poesia das Meninas - Tatiana Nascimento


A brasiliense Tatiana Nascimento é escritora, compositora, cantora. Criou com a poeta Bárbara Esmenia a Padê Editorial, uma editora artesanal de livros caseiros, voltada para a publicação de autoras negras periféricas, lésbicas, fora dos grandes circuitos literários. Tatiana cria e realiza.

a dança


“qual é a música, maestro?”

eu ainda tô aprendendo
a te amar
a não contar as horas
não chorar demoras
nem temer recusa

desalimentar expectativas difusas
(profusão de análises semânticas
dum “oi” que significa só ele
mesmo: “oi”)

eu ainda tô aprendendo
a me perdoar
não ter falado um tanto
(ou ter falado tanto)
por ter errado tanto
quanto você
por me machucar

(y com certeza um dia
me perdôo por te
machucar)

eu ainda tô aprendendo
a tatear a densidade leve do ar
nessa ponte que erguemos entre
o meu y o teu
silêncio
a tua y a minha
ausência
a histórica
carência
a memória da
latência
a querência da
trajetória que tentamos
trilhar juntas mesmo em tanta
perdição

y inda tô desaprendendo
o teu mais que meu
desapego
y el mío mais que el tuyo
celo

a esquecer
o que não
tem per
dão

não existe mais máquina do tempo
depois dos 32 (anos, dentes, anéis de
saturnos, casório-y-separação, DRs y des
ilusão)

mas talvez tem mágica no vento capaz de
dar uma pausa no tudo que aconteceu depois
que eu viajei pra salvador y você cantou,
no caminho do aeroporto,

“nunca mais
vou gostar de você
nunca mais”

.

ou se não uma pausa, só:
dissolver o mal-estar,
se não dissolver só:
nos lembrar:

que num tem mal-estar maior que aquele afeto doido que foi/fez
sentido. que um dia caiu. que se machucou. que joelho ralou.
y que um dia virou outro afeto: uma noite se desvelou.

y olha:

fosse aquele tempo eu cobria com babosa
machucada y mel (melhores cicatriz
antes) o joelho ralado do afeto
eu colava um bandeid em
cima y até dava um

bejinho

pra sarar

mais depressa

mas como o tempo é esse agora tô mirando
a cicatriz pra lembrar que
tudo que corre
pode tropeçar, pode cair,
pode escorregar. ou pode ganhar
impulso pra voar, na beira dos dois gumes:
planar. pousar.

demorou uma era, bissexta²,
pra eu poder me rever do seu lado
y tô reaprendendo andar no meu passo
(que c zombeteira troca com o seu). sipá um dia

nesse tempo-espaço

a gente

até

volta a se bailar.

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Tatiana Nascimento e Djamila Ribeiro no programa Espelho, de Lázaro Ramos


15 anos de Dedo de Moça!

Já passou de meia noite, o que significa que o Dedo de Moça está oficialmente no ar há 15 anos!

Foi chão até aqui. A internet mudou, as redes sociais surgiram e os blogs ficaram meio de lado com essa novidade. Passado o entusiasmo e mais do que consolidada a integração das redes sociais, uma questão se colocou para quem apresenta seu trabalho também online: as redes sociais não indexam o material produzido. Aquele texto maravilhoso, aquele artigo contundente, aquela foto que emociona, tudo, tudo fica online, mas não é fácil encontrar.

E é justamente essa a grande vantagem dos blogs: uma indexação funcional, um registro estável de produção de conteúdo. As mídias disponíveis para produção, exposição e compartilhamento de conteúdo se multiplicaram. Plataformas para vídeo, áudio e fotos despontaram. Uma transformação que tornou a experiência na internet mais rica, mais atraente, para produtores e consumidores de conteúdo online. O Dedo de Moça passou e passa por essa metamorfose.

O blog continuará voltado principalmente para poesia e prosa. A questão que mais me mobiliza no momento - a visibilidade das poetas brasileiras vivas - ganha uma coluna fixa, o Poesia das Meninas, para publicar essas autoras.

Continuarei publicando meus poemas e minhas crônicas.

A página no Facebook é o espaço para a reflexão sobre a palavra, o mercado editorial, as edições independentes, a atuação da literatura nas questões sociais, nos debates políticos. E amenidades também, por supuesto.

E muito em breve uma incursão também no YouTube, mostrando a cara e com direito a uma bela parceria.

Quinze anos hoje. E espero no mínimo mais quinze pela frente!

Priscila Andrade Cattoni
Eu era assim.



10.7.18

Fulana alega

fulana alega
            Ser mulher é foda
segundo ela
  Ser mulher é punk
diz ela
  Jornada dupla, tripla
mulher diz que
  Salário mais baixo para as mesmas competências
mas ela estava sozinha?
  Homens (e algumas muitas mulheres) que acham que só têm que ajudar
mas ela bebeu... tava drogada?
  Na casa
também olha a roupa que ela estava usando!
  Com os filhos
é pistoleira! Tá inventando pra aparecer!
  Com a pensão
não existe cultura do estupro!
  Ser mulher é um desafio.
o suposto agressor
  Eu desafio.


Priscila Andrade Cattoni por ela mesma

2.7.18

Hera

meus cabelos são brancos desde os vinte e poucos
conto a mesma história para a mesma pessoa
várias e várias e várias vezes
porque esqueço que contei
esqueço
o nome da pessoa
e das pessoas da história
e a história
não sei o que jantei
ou almocei
ou se almocei
minha memória é um desfiladeiro
que faz eco
eco
é?
ecoa
o quê mesmo?
minha memória
faz eco, eco.
é um branco que me deu
se alastra como hera
sobrou espaço só para o amor.