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22.12.03

Virgilina

O nome dela é Virgilina - e sim, ela é virgem, aos 80 anos. É a Tia Nastácia da família. Não, não! A Tia Nastácia era apenas cozinheira e a Vigi... a Vigi não. Os domínios da Vigi vão além da cozinha. Começam no nosso coração, imperam em nossos estômagos e comandam nossa memória afetiva. A Vigi é a terceira avó de todos nós.

Bate abaixo dos meus peitos. É negra. É a cara do Didi Mocó. É semianalfabeta. Não sabe falar tupperware, nem táxi, nem tóxico. Mas eu cresci achando que era minha tia-avó. E só me toquei que ela não podia, por razões óbvias, ser minha parenta de verdade – por de verdade entenda-se biológica - quando já com 12 anos um amigo me chamou a atenção: “Irmã da sua avó como se ela é negra?” Me espantei. Negra? A Vigi não tem cor! Nem eu! Ela não é negra nem branca, ela é a Vigi! E decidi que isso não tinha a menor importância, e não tem mesmo. Ela é minha avó também. Minha terceira avó e ponto final!

Cozinha maravilhosamente bem. Só comida caseira, daquelas que fazem a gente se sentir em casa mesmo, tranqüilo, protegido e com a vida pela frente. E quem experimenta não esquece nunca mais. É tão bom que quando ela fala "Ih, hoje só tem arroz com ovo que eu tô pobrinha..." a resposta é certa: manda! E olha que eu não gosto de arroz com ovo... Mas na cozinha ela é Deus. E o ovo de gema molinha dela é perfeito. Redondinho e sorridente.

É daquelas pessoas que depois que se vão, você fala com os olhos cheios d'água e mesmo ainda viva a gente se emociona. E ela se diverte com isso: "Daqui a pouco papai do céu me leva...". E eu surto, brigo, digo que vou morrer primeiro. E ela dá risada da minha angústia.

Cresci comendo Creme Cascata. Um sorvete de três camadas caseiríssimo, presença garantida nos almoços de domingo. Uma delícia protagonista de brigas de foice entre primos, irmãos, pais e filhos, avós e netos pelo último pedaço! O pomo da discórdia, o pecado da gula, feito com carinho para todos os netos.

A Vigi tinha um soluço que durou anos e finalmente acabou – junto com o hábito de chamar a família toda até chegar no nosso nome. Quanto mais novo, mais longa a cantilena: Abigail, Alice, Aurelinho, Eulina, Ariston, Beatriz, Lurdinha, João, Ania, Ceres, Espéria, Verbena, Anita, Elyda, Regina-ai-meu-Deus, Pit! Tudo entremeado por soluços altos e fortes que faziam seu corpo todo tremer e as crianças, bom, as crianças riam escancarado. E ela também.

“A vida é um buraco, um buraco é a vida...”. O bordão derrotista é repetido já há uma vida inteira, enquanto as mãos fortes ralam o coco que vai se transformar em cuscuz famoso e requisitado. O cheiro do camarão seco – “tomando ar pra ficar bem sequinho” – invade a casa, molhando a boca e avisando: Caruru vem aí! E o povo já começa a sonhar com o Vatapá. Esperar o bolo esfriar? Ah, Vigi... não dá! Bolo fofo, quentinho... tentação de mais. Será que o pastor, Glória-Glória-Aleluia, sabe que sua ovelha nos leva à perdição com a luxúria dos sabores? Louvemos-ao-senhor!


1.9.03

Sopa

- Vou dar um alô com o Antônio ali no Boteco.

- Mas o jantar está quase pronto...

- Cinco minutinhos...já tô voltando.

- A sopa vai esfriar!

A porta bateu. Ela ainda ouviu o assovio sumindo no corredor.

Não foram cinco minutinhos. Não foram cinco horas. Aliás, não foram nem mesmo cinco dias. Já se passava quase uma semana e ele não havia voltado, nem um telefonema. O Antônio, quando cruzava com ela pela rua, olhava para o chão e atravessava para o outro lado.

"Ah, mas isso não vai ficar assim" pensava ela com raiva, enquanto açoitava a pia com o desentupidor. "Isso não vai ficar assim não!"

- Mãe, tira esse prato da mesa, isso já tá nojento.

- Deixa o jantar do seu pai aí!

Há seis dias a mesa continuava lá, intacta, impassível. O prato de sopa em cima, já com uma cor duvidosa.

- Mãe, já pensou que ele pode ter morrido? Sofrido um acidente?

- Cala a boca menino!

De repente os dois ouvem o assovio. Em seguida o barulho das chaves na porta. E ele entra, ainda assoviando, o cigarro pendurado no canto da boca e uma bisnaga em baixo do braço:

- O que é que tem pra jantar?

O filho nem pensou, voou para o quarto. Ela respirou fundo, se controlando. "Não vou dar esse gostinho a ele não":

- Sopa. Já está pronta meu bem. Seu prato já está até feito. Há seis dias - ela sibila.
Ele não se abala. Apaga o cigarro, bota o pão na mesa, puxa a cadeira. Senta relaxado, jogando displicente o guardanapo no colo. Olha para a sopa. Cheira. Levanta na direção do banheiro e fala, enquanto tira a roupa pelo caminho:

- Tá fria, meu bem. Esquenta por favor.

16.8.03

Minha

- É a sua mamãe?
- Não. É a namorada do meu pai. Mas só até eu crescer. Aí vai ser minha namorada.

Que saudades do meu pequeno namorado...

1.8.03

Cartola

- Porque filho de ventre judeu, minha filha, é judeu.
- Hum. Quer dizer então que se eu casar com um negão maravilhoso do morro da Mangueira os nossos mulatinhos vão ser todos judeus?

Foi o tempo de armar o sorriso e sair correndo.

24.7.03

Louco quem, cara pálida?

"Vocês mulheres, quando chegam aos 30, ficam todas loucas...".

Depois de ouvir uma frase tão calhorda, no meio de uma reunião de trabalho, só posso devolver a gentileza no mesmo estilo:

- "Homem" e "Maduro" são duas palavras que não cabem na mesma frase: acredite, se é homem não é maduro, se é maduro não é homem.

Agora, falando sério: que homens e mulheres são diferentes todo mundo sabe. E cá entre nós, bendita diferença. Mas me incomoda muito essa mania de compartimentar e rotular comportamentos. Não gosto de rosa, detesto qualquer estampa com florzinha, odeio fazer compras, tenho pânico de shopping e simplesmente de-tes-to qualquer tarefa dita doméstica. Adoro lutar, não acredito que sexo e amor andem necessariamente juntos, gosto de miojo por que é rápido e não sei fazer nem ovo nem macarrão. Mas sou sim, muito feminina.

Passei a infância toda ralada de cair de bicicleta, cair de árvore, cair de muro. Vários hematomas de brigar de brincadeira, brigar de raiva, brigar no futebol. Passei a infância jogando futebol. E nunca entendi qual era a graça da Barbie. Mas era uma gracinha de menina (muito modesta) que adorava escrever, pintar e fazer os presentes que dava.

Acho lindo um homem que chora quando é momento de chorar e admiro uma mulher que sabe por o pau na mesa na hora necessária.

E vou ficar feliz se um dia as pessoas forem capazes de afirmar "você..." e não um defendido "vocês...".

23.7.03

O Zé

O Zé era um cara metódico, arrumadinho, desses que gosta de “tudo em seu lugar, compreende minha filha?”. Lenços brancos com lenços brancos, blusas de manga comprida não dividem espaço com as de manga curta. As camisas devem ser organizadas por cor, montando conjuntos para facilitar a hora do vestir: “essa camisa vinho vai muito bem com o terno cinza...”. Monta-se na arara o conjunto.

Esse senso de organização, esse empenho de organizar tudo em grupos, aos pares, vinha de nascença. O Zé nasceu no dia 11 de novembro de 1911, 11/11/11. Levou a mania para o casamento: sua mulher era 11 anos mais nova.

Nem os filhos escaparam. Regina, a mais velha – “Regina Célia, Rainha do Céu!”, dizia orgulhoso – nasceu em 05 de maio de 1945. Mônica, a “Monquinha”, veio em 07 de julho de 1947, 07/07/47. Um casal, um par de filhas. Perfeito! Aí veio o Cláudio e acabou com a brincadeira: dois de abril de sessenta e três. O Zé ficou desolado.

Para compensar, fazendo o máximo que estava à seu alcance, morreu em vinte e dois de novembro de 1988. 22/11/88.


22.7.03

Esfincter Comunicação




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19.7.03

Alariás

Eu era uma Mágica super poderosa e tinha um assistente eficiente e carismático: o meu basset de origem nobre, Bob Catraca de Aragão. Um lorde.
Catraca de Aragão era especializado em fazer sumir todas as Ecas Nutritivas que a Mãe Dedicada obrigava a Grande Ilusionista a comer, principalmente mamão e fígado. Enfim, o cão era uma sumidade.

O Primeiro

Eu confesso: viciei. Viciei e o Blog é a minha droga de escolha.
Foi tudo muito rápido - do site da TPM para o Mothern, do Mothern para o Drops da Fal e daí para todos aqueles links, compulsivamente, obsessivamente, olhos grudados na tela. Comments, Livros de Visitas, histórias, trocas, impressões. E a sensação de que já conhecia todas aquelas pessoas há muito tempo. E na verdade não conhecia nenhuma! Maravilhoso!
Sim, existem pessoas que pensam como eu. Não, o mundo não é feito apenas de fãs de Paul Rabbit e adoradores de Kelly Key.
De repente, me toquei: é isso, vou fazer um blog! Mas... a timidez não deixava. Não deixava nem escrever nos livros de visita, que dirá fazer um blog...
Criei coragem e comecei a fazer um comentário aqui, outro ali, muito discretamente, pensando: "Calma, calma, ninguém tá vendo...".
Aí, hoje (ontem) a Fal promoveu, para meu deleite, o choque que faltava para que eu tomasse vergonha na cara e montasse esse blog: "postou" um comentário meu (que vou reproduzir em seguida)!
Fal, a culpa é sua! Brigadão! Com certeza não foi sua intenção, mas era o empurrãozinho que estava faltando para eu me mexer. Merci Beaucoup!
Sejam bem vindos!