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12.10.15

Não tenho saudade nenhuma da minha infância. Gosto de ter a idade que tenho hoje e sempre fui assim, sempre senti assim. A melhor idade sempre é a que tenho no momento e fico feliz em ver que estavam erradas as pessoas que diziam "quero ver pensar assim quando chegar aos quarenta". Tenho saudade de ir tomar Banana Split com tia Bibi antes do almoço, transgressão e cumplicidade. De roubar camarão seco na cozinha a cada cinco minutos na véspera dos Carurus e Vatapás, deixando Virgilina fula da vida. Mas fula só pra constar, porque me dava logo um pratinho de sobremesa cheio, rindo e mandando não contar pra minha avó. De participar "como adulta" das conversas de Bebeta, cheias de palavrões que me diziam que o concreto, a realidade, eram os fatos ou as ideias e não a formalidade boboca e propositalmente castradora dos ditos bons modos - Bebeta era dessas pessoas que podiam falar a maior barbaridade, o palavrão mais cabeludo, sem que ninguém pensasse em palavras como vulgaridade, sem que o assunto perdesse o foco. Na boca dela palavrão era vírgula bem usada, era ritmo e cor, era gostoso. Não tenho mesmo saudade da minha infância. Tenho saudade de pessoas. Pessoas que já foram ou que não estão ao alcance dos olhos. E das impressões e sensações que essas pessoas me permitiram experimentar com todos os significados gigantescos que estavam ali em gestos aparentemente pequenos e em palavrões de duas letras que falavam mais que um alfabeto inteiro. Pensando bem, acho que não tenho saudade, tenho é um patrimônio afetivo incomensurável.