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8.3.08

A porra da vidinha de merda

Joguei a mochila no chão, me esparramei no sofá e apoiei de propósito os pés na mesinha de centro. Por que diabos alguém tem mesinha de centro? Pelo prazer das canelas roxas? Por que é isso, a mesinha de centro é como um quebra-molas no meio da sala. Quebra-canelas. Uma merda. Não sei o que é pior, se a mesinha de centro “assinada” e que por isso ninguém pode chegar perto sem que dona da casa enfarte, ou se a mesinha de centro que serve como suporte para enormes livros de arte que ninguém lê, cuidadosamente escolhidos pelo decorador para que nenhuma visita tenha dúvidas: aquela com certeza é a casa de alguém sofisticado, com cultura. “Com cultura”. Cultura de quê? Vírus?

Apoiei de propósito os pés na mesinha de centro e fiquei esperando ela chegar, eu já não disse pra não por os pés na mesinha de centro, isso não é uma mesinha de centro qualquer, isso é uma Saarinem, ela falou puta. Todo dia eu boto o pé na mesinha de centro e todo dia ela reclama puta por que isso não é uma mesinha de centro, isso é uma Saarinem.

Isso não é uma porra de um museu, eu disse, isso é a minha casa. Todo dia eu respondo a mesma merda. Todo dia a mesma discussão idiota, ela disse, ela não sabia que eu gostava de ter todo dia a mesma discussão idiota porque ela ficava irritada e eu adorava ver ela irritada, era o meu único prazer, então eu me permitia ter esse prazer todo dia.

Isso não é uma porra de um museu, eu sabia que o "porra" era fatal. Ela agüentava que eu me esparramasse no sofá, ela agüentava que eu botasse os pés na maldita saarinem, ela agüentava que eu respondesse com ar de desdém. O que ela não suportava era aquele ‘porra’ no meio da frase, dito preguiçosamente, reforçando o desdém. Porque o ‘porra’ era a confirmação do descontrole dela. Ela não falava porra. Ela berrava porra, ela esguelava porra com a cara vermelha, as veias do pescoço saltadas, olhos esbugalhados, salivando e socando a mesa. O porra, para ela, era a confirmação de que havia perdido a razão e a discussão, aquela partida não era dela, perdeu. Então quando eu falava porra calmo, devagar, olhando o jornal ou limpando uma unha, aquilo era a morte: não era um palavrão, era uma afronta.

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