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22.8.18

Poesia das Meninas - Conceição Evaristo

O prazer de descobrir uma autora e se apaixonar. E a vergonha de não ter conhecido antes. A poesia de Conceição Evaristo me arrebatou, me encantou.

Acabei de comprar seu livro Poemas da recordação e outros momentos (Editora Malê, 2017) e estou lendo apenas 3 poemas por dia, para adiar o fim da leitura. É tão bom que não quero que acabe.

Vencedora do prêmio Jabuti de 2004 com seu livro Olhos d’água, em entrevista concedida a Djamila Ribeiro para a revista CartaCapital, Conceição Evaristo aponta que "as feministas brancas usam uma máxima quando elas falam que escrever é um ato político. Para nós mulheres negras, escrever e publicar é um ato político." Sua visão crítica sobre o sistema literário (editoras, bibliotecas, críticos, livrarias, etc.) é preciso. A hegemonia do homem branco no cenário literário é clara. O que se verifica facilmente observando a formação do quadro de imortais da ABL, protegido por suas exceções. Ou, ainda, quando se constata que a edição de 2018 da Flip, evento que começou em 2003, é a que finalmente apresenta maior diversidade. Em tempo, Conceição se candidatou esse ano para a ABL. Uma boa oportunidade da Academia chegar finalmente em 2018.

Conceição vem sendo muito bem-sucedida nesse ato político de escrever e publicar. Ano passado toda sua obra foi reeditada. A Doutora em literatura comparada pela UFF, transita com fluidez pela poesia e pela prosa. Sua produção literária não se restringe a temas prosaicos. Trata do dia-a-dia e do amor, mas trata também da mulher negra, da história dos negros. É uma escritora gigante, que aborda temas áridos, mas de discussão necessária, transformando palavras em entidades livres, quase táteis, que se entrelaçam criando um tecido tão forte quanto delicado. Abaixo um de seus poemas.



VOZES-MULHERES
(de Conceição Evaristo)

A voz de minha visavó ecoou
criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo

A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela

A minha voz ainda
ecoa Versos perplexos
com rimas de sangue
             e
             fome.

A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.

A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem - o hoje - o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.


Um comentário:

  1. Meu pai amado. Como não comentar
    uma obra dessas, meu Deus?

    Priscila, um beijo. Estou te
    seguindo. Siga-me também, vai.



    .

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