Meu marido começou um novo ciclo de químio ontem. Na sala em que a medicação é tomada qualquer dúvida sobre a cara do câncer se dissipa. O câncer não tem cara: homens, mulheres, idosos, jovens, crianças, gordos, magros etc.
Nessa clínica uma das paredes da sala é toda de vidro, a vista é um pátio com jardim e muitos passarinhos que vêm encher o bucho com as migalhas que ficam aqui e ali, dos almoços e lanches dos funcionários. Quase bucólico. É acolhedor. Com a sala ampla, bem iluminada, a gente quase esquece onde está. Mas um olhar mais atento e demorado aponta um desfibrilador a postos no cantinho.
A TV desfila a prisão dos ex-governadores do Rio, Cabral e Garotinho. Ninguém está interessado. É quase uma trilha incidental o som baixinho que vem do noticiário da TV.
Acompanhando essa primeira sessão desse novo ciclo entendo, finalmente, que os remédios auxiliares (anti-histamínico, antiemético) são ministrados para todos os pacientes, sem exceção. A menos, claro, que o paciente tenha alguma intolerância a essas medicações. São medicações preventivas para evitar ou amenizar os efeitos que a químio pode dar em alguns pacientes como alergias e vômitos. Fico pensando que isso é ótimo, que bom que podemos tentar evitar. Mas fico pensando, ao mesmo tempo, se não estamos evitando muito, se não estamos nos anestesiando muito, se na verdade estamos fugindo não da dor ou do mal estar, mas da vida. Cair é da vida. Caiu? Levanta. Não estou dizendo que é fácil, ninguém disse. Me pergunto se quando evitamos cada mísero tropeço não vamos abrindo mão, ao mesmo tempo, da capacidade de improviso, de um raciocínio mais ágil, de autonomia no que diz respeito ao nosso corpo, a nossa saúde, as decisões que devem ser só nossas sobre o nosso bem estar. Se não estamos abrindo mão de um compromisso que traz a responsabilidade pelas consequências mas mantém as rédeas da nossa vida em nossas mãos, minimamente que seja.
Nessas idas e vindas a consultórios, laboratórios, clínicas de rádio e químio me impressionou o quanto as pessoas delegam sua integridade física. Ouvindo as conversas entre os pacientes percebi que a maioria não sabe e não quer saber o nome do remédio que toma:
- Eu tomo o "vermelho". E você?
- Eu tomo o "branco". Com o branco o cabelo não cai, né?
Vermelho e branco são as cores das embalagens. Parece que predomina um pensamento mágico de que ignorar os manterá fora do alcance de reações adversas, da doença.
Eu? Tomo. Para dor de cabeça, relaxante muscular, para dormir, para ansiedade. Tomo. Não sou contra medicação. O que me espanta é a escolha por não saber. Não saber da própria vida. Ao mesmo tempo, as revistas mais lidas nas salas de espera são as de fofoca. Dá o que pensar...
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