Eulina, Alice, Anita, Abigail. E ainda não sei, com certeza, quem são essas mulheres.
Tialina. Demorou até notarem que eu não percebia o parentesco. Para mim, era nome: Tialina. O esclarecimento não foi assim tão eficaz. De Tialina foi promovida à Tia Lina. O Eu continuou de fora. Excluído e desconhecido. Assim como Abigail. Bibi era muito mais apropriado. Gorducha e bochechuda, era óbvio que não poderia ter outro nome que não Bibi. Fomfon no pensamento moleque. Muito adequado!
Anita tinha botas maravilhosas, casacos fantásticos, unhas compridas impecavelmente vermelhas. Europa todos os anos. Países exóticos também. Europa todo ano, igreja todo domingo. A vaidosa fé.
Tia Alice parecia um buldogue. Mas eu era devidamente proibida de emitir essa opinião. Sempre doce e atenciosa comigo. Por isso não perdoaram quando comentei, meio espantada, meio divertida:
- Já repararam que toda vez que tia Alice vem no Rio alguém morre? Ela veio, tia Lina morreu. Veio de novo... tia Bibi morreu!
Não veio novamente. Morreu. Assim como a lembrança sobre meu comentário. Morte encomendada, naturalmente – não a dela! A do meu comentário.
Tia Lina não se casou. Com seus cabelos loiros cacheados e seus olhos azuis e penetrantes cumpriu a tarefa de cuidar dos irmãos mais novos e amparar a velhice do pai.
O apartamento que herdou deixou em testamento para os irmãos, já que não fez família própria. Assistia às novelas agitadíssima, alertando a mocinha sobre a má-índole do "galã matreiro, lobo em pele de cordeiro":
- Não vai minha filha! Cuidado! Ele vai te fazer mal! Mas não é possível, meu Deus, que essa menina seja tão boba!
Como se a personagem fosse real e pudesse escutá-la de dentro da TV. Nos comerciais, em compensação, ficava no mais absoluto e respeitoso silêncio.
Tia Bibi, depois de alguns anos de Rio de Janeiro casou-se. Para desgosto do pai e das irmãs. Ele era separado! Foi alijada do convívio com a família, apesar de freqüentarem a mesma igreja. Só depois que o velho morreu voltou a ser recebida. Sem o marido, naturalmente. Levava sempre para Anita o jornal. Da véspera. Depois que Bibi se foi, o jornal da véspera passou a ser fornecido pelo irmão mais novo – jornalista, ex-militar, comunista sempre.
Quando o companheiro morreu, Bibi voltou a morar com as irmãs. A mulher do sobrinho pergunta indiscreta:
- Tia Bibi, por que a senhora nunca teve filhos?
- Por que Papai do Céu não quis, meu amor!
Quando a senilidade chegou o apetite acabou. As roupas antes atochadas, serviam agora para duas, três Abigais. Os bobs de cabelo foram aposentados. E aos domingos Anita perdia a hora da igreja na tentativa frustrada e angustiante de retirar Bibi de dentro do banheiro, de onde chorava um choro sofrido explicando:
- Minhas roupas não servem mais! Não tenho roupas! Estou muito gorda, elas não entram mais...
A cada dia mais magra, mais frágil. Quando ainda era senhora de seus pensamentos, dona de sua sanidade, saía com as netas da irmã. O passeio era sempre o mesmo: a pé até a loja de departamentos. Segundo piso, lanchonete, banana split. A pé até em casa. As meninas adoravam.
Anita trazia das viagens seus cadernos relatando cada dia, cada passeio, as impressões sobre os guias e os outros integrantes do grupo. A letra de médica tornava a leitura impossível.
Um dia pagou à neta mais velha para que datilografasse o último diário. A neta bem que tentou. Por duas semanas. Até que se deu por vencida e abriu mão dos trocados. Anita achou que era preguiça.
Na casa nova do filho, pintou para a neta no quarto um trenzinho com o condutor menino. A menina adorou! Tanto que resolveu, em retribuição, fazer também “umas pinturinhas” pela casa toda, com seu lápis-de-cor vermelho novinho, presente de aniversário.
Anita está ao meu lado. Não é mais a Anita de sempre, altiva, decidida, dona da verdade, convicta e segura. Está tão frágil quanto seu corpo e sua saúde. Está até menor que eu, que sempre fui a baixinha da família. Mas está ao meu lado e é isso que importa. É minha família, minha história e minha referência.
Tia Alice, tia Lina e tia Bibi são lembranças já meio distantes, de histórias engraçadas que lembramos em almoços nos domingos e rimos. Mas quando vejo suas fotos... quando vejo suas fotos se tornam tão presentes quanto eu e você. E ouço suas vozes, claramente:
- O Jantar tá na mesa! Já lavou as mãos?