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1.9.03

Sopa

- Vou dar um alô com o Antônio ali no Boteco.

- Mas o jantar está quase pronto...

- Cinco minutinhos...já tô voltando.

- A sopa vai esfriar!

A porta bateu. Ela ainda ouviu o assovio sumindo no corredor.

Não foram cinco minutinhos. Não foram cinco horas. Aliás, não foram nem mesmo cinco dias. Já se passava quase uma semana e ele não havia voltado, nem um telefonema. O Antônio, quando cruzava com ela pela rua, olhava para o chão e atravessava para o outro lado.

"Ah, mas isso não vai ficar assim" pensava ela com raiva, enquanto açoitava a pia com o desentupidor. "Isso não vai ficar assim não!"

- Mãe, tira esse prato da mesa, isso já tá nojento.

- Deixa o jantar do seu pai aí!

Há seis dias a mesa continuava lá, intacta, impassível. O prato de sopa em cima, já com uma cor duvidosa.

- Mãe, já pensou que ele pode ter morrido? Sofrido um acidente?

- Cala a boca menino!

De repente os dois ouvem o assovio. Em seguida o barulho das chaves na porta. E ele entra, ainda assoviando, o cigarro pendurado no canto da boca e uma bisnaga em baixo do braço:

- O que é que tem pra jantar?

O filho nem pensou, voou para o quarto. Ela respirou fundo, se controlando. "Não vou dar esse gostinho a ele não":

- Sopa. Já está pronta meu bem. Seu prato já está até feito. Há seis dias - ela sibila.
Ele não se abala. Apaga o cigarro, bota o pão na mesa, puxa a cadeira. Senta relaxado, jogando displicente o guardanapo no colo. Olha para a sopa. Cheira. Levanta na direção do banheiro e fala, enquanto tira a roupa pelo caminho:

- Tá fria, meu bem. Esquenta por favor.